MATRIMÔNIO: A INDICAÇÃO DO CAMINHO
(Capitulo de Silvia Bruno Securato retirada da Antologia Nós, Mulheres Desafios e Conquistas dos Novos Tempos vol. 01)
“Ora, eu vos declaro que todo aquele que rejeita sua mulher, exceto no caso de matrimônio falso, e esposa uma outra, comete adultério”. (Mt. 19.9)
A Intenção ao tratar do tema “segunda união” é apresentar às leitoras e leitores um breve esclarecimento a respeito desse assunto tão questionado. Não se trata de um estudo profundo e nem caberia aqui, mas que este possa ser o ponto de partida, a indicação dos caminhos a serem percorridos pelos casais cristãos, em especial aos casados na Igreja Católica, que se encontram nessa situação.
Muitas vezes, por não conhecer mais profundamente a Doutrina ou por ter tido um aconselhamento inadequado, uma pessoa pode estar vivendo ingenuamente uma situação “irregular “ perante a Igreja.
Peço perdão, mas poucas pessoas que contraem o matrimônio conhecem as riquezas e valores ligados a esse sacramento, como por exemplo o significado da aliança contraída entre ambas as partes – qual o valor da troca de alianças?
Antes de prosseguir tomo a liberdade de lançar algumas questões:
Quando um dos cônjuges não respeita o compromisso firmado diante do altar? Quando o casamento na Igreja serviu para reparar o erro de uma gravidez precoce? Ou quando a pessoa demostra ter um caráter e na realidade tem outro, demonstrando-o somente após o matrimônio? E quando o adultério é constante? Quando não há reconhecimento das virtudes do outro e desrespeito à pessoa humana, deixando o cônjuge na solidão e ao descaso? Essas e outras questões devem estar presentes para que se possa dar continuidade a esse assunto merecedor de atenção.
As abordagens aqui feitas são válidas também para uma reflexão sadia par a renovação de um possível relacionamento em decadência, porém passível de reajustes e adequações necessárias para uma convivência harmoniosa e feliz.
Notamos que nos dias de hoje, mais do que antes, ao acompanhar as notícias trazidas pela mídia, em geral, que os relacionamentos familiares estão bastante mudados, apresentando traços marcantes de transformação radicais, acarretados ou não pelo fenômeno da globalização. Entre essas transformações vemos: o número crescente de uniões informais, divórcios, mulheres chefiando a família, que demostram que estamos em tempos de profundas mudanças (cf. Projeto Rumo ao Novo Milênio: A Família Rumo ao Novo Milênio ).
Para entender essas questões e melhor esclarecer a importância do Sacramento do Matrimônio é necessário abordar, embora de maneira bastante breve, alguns aspectos bíblicos.
Num rapidíssimo percurso pelas escrituras, vemos que Deus criou o homem e a Mulher – um como complemento do outro. Não como rivais, nem para viverem em competição, não determinou superioridade de um sobre o outro, mas sim, para se unirem a tal ponto em nome do amor, que os “dois formassem uma só carne”.
Dando um salto para o Novo testamento, vemos que o matrimônio judeu, na época de Jesus, tinha um caráter de compra e venda e a mulher era considerada inferior perante a sociedade. O marido tinha o direito de repudiar sua mulher por motivos banais como uma comida mal feita, ou se encontrasse outra mais bonita ou ainda o divorcio seria permitido nos casos de : mau hálito, enfermidade, velhice, enfim qualquer coisa que o desagradasse.
Jesus com suas repostas sobre compromisso permanente do casamento procura mostrar uma situação nova para aquele povo, resgata e reafirma o sentido divino da união entre um homem e uma mulher, valorizando a mulher e a vida conjugal.
No Evangelho de Mateus, na citação sobre o casamento, há a cláusula: exceto no caso de matrimônio falso. Essa frase, segundo Forcano pode sugerir a união entre parentes, considerada ilícita na época, ou ainda no caso de adultério, prostituição, sexualidade pervertida e selvagem.
Na primeira carta aos Coríntios, capitulo 7, versículos de 12 a 16, São Paulo ao falar sobre o casamento, entre crentes e não crentes, diz que ao consorte crente é permitida a separação se não houver harmonia entre eles colocando, dessa maneira, a fé e a paz como direito do crente.
A Igreja apresenta o sacramento do Matrimônio como indissolúvel, porém em casos extremos prevalece a misericórdia divina em relação a fragilidade humana, concedendo a separação de corpos quando for aconselhável pelas circunstâncias.
Segundo Forcano, se todo indivíduo tem direito ao casamento, tem também, em alguns casos, o direito de corrigir um erro ou engano cometido e por isso deve recorrer ao Tribunal Eclesiástico para superar seu equívoco e contrair nova união.
Por isso, aos casais cristãos é sempre recomendável o acompanhamento da Igreja, para as devidas orientações e esclarecimentos a respeito das dificuldades conjugais.
Mas, em quais ocasiões ou circunstâncias é possível recorrer ao Tribunal Eclesiástico? Entre os fatores mais comuns podemos citar:
- Nesse caso podem ser citados dois exemplos: a idade, casal muito jovem; a impotência antecedente.
- Entendimento – uso da razão- Quando não há capacidade de entendimento do que é o casamento e as obrigações existentes na união conjugal.
- Decisão. Trata-se de incapacidade de decidir envolvendo: a imaturidade, falta de autonomia.
- Está relacionada com os problemas psicológicos e psiquiátricos graves.
- Erro pessoal. No caso da falsa identidade.
- Erro de qualidade. Somente após o matrimônio descobre-se que o cônjuge é usuário de drogas, por exemplo.
- Erro doloso. Quando a intenção de casar-se é por interesse, por exemplo, financeiro. Ou também quando um dos cônjuges casa-se com a intenção antecipada de traição, ou seja, a infidelidade prevista.
- Medo grave. Casamento impulsionado pelo medo das consequências: união forçada sob pressão social ou familiar.
Esses seriam alguns dos motivos que podem levar um casal a rever sua situação conjugal. Como já mencionei, não se trata de um estudo minucioso da questão e sim uma breve noção a respeito de alguns pontos mencionados no Direito Canônico. Não é uma questão simples, envolve antes de tudo um esclarecimento mais profundo das causas que poderão tratar da nulidade, com um levantamento plausível de que, de fato, o casamento não existiu.
Há casos porém, em que não é possível efetivar a nulidade. Nesse caso, havendo o divórcio e se a pessoa não estiver ligada a outra, ela não perde o direito aos Sacramentos. Mas, em situação não oficializada de uma segunda união, não é possível comungar, pois estaria havendo a contradição dos ensinamentos da Igreja. De qualquer maneira, seja qual for a situação é valiosa a orientação de um sacerdote, somente ele poderá avaliar as questões e orientar o casal, pois sabemos que existe um plano divino para a criação e, sendo divino, é perfeito.
Deus criou o ser humano para felicidade, envolvendo a justiça e o amor. Ambos caminham juntos: amor e justiça. A felicidade é perfeita quando há respeito pela ordem natural. E qual seria essa ordem natural? Um dos fatores primordiais é a entrega total de uma para o outro, na fidelidade que firma a estabilidade familiar.
Conforme as promessas feitas, pessoalmente, na ocasião do matrimônio, já estão implícitas as normas que baseiam e sustentam o matrimônio: “Eu (nome) te recebo (nome) para meu esposo (a) e te prometo ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-te e respeitando-te todos os dias de minha vida”. Esse compromisso é firmado entre um casal e Deus, lembrando que, o Sacerdote, é mera testemunha. O compromisso firmado, até que “a morte os separe” deve ser feito de livre e espontânea vontade, pois é o único e permanente.
Contudo, sabemos que as dificuldades muitas vezes surgem, mas deve-se procurar supera-las com boa vontade e perseverança, lembrando que, todo e qualquer relacionamento, tem seus momentos difíceis. Porém, quando o casal se dispõe ao matrimônio, deve estar ciente de que esse sacramento foi criado por Deus e Sua presença constante entre o casal, ou seja, o senhorio divino, irá provê-los com bênçãos e dons necessários para o fortalecimento da união conjugal.
Por isso, quando a união não é consagrada no sacramento do matrimônio, não é permitida a participação no sacramento da Eucaristia, da Penitência e Unção dos Enfermos, pois Deus é perfeito, misericordioso, justo e, de maneira nenhuma, poderia ser contraditório.
Espero ter podido esclarecer um pouco essa questão tão atual e discutida, porém, não poderia deixar de citar a magnitude e por que não, todo o enfoque poético, reservado a um casal que se une no amor e por amor.
Nesse caso recorro ao admirável Raniero Cantalamessa, num trecho de sua obra “O Canto do Espírito”, onde ele faz uma menção sobre o amor conjugal, comparando o amor divino ao amor humano, o segundo como consequência hereditária recebida do Criador.
Cantalamessa cita uma observação de Santo Ambrósio que eu gostaria de compartilhar com você: “No beijo há mais que o simples contato dos lábios; existe o desejo de infundir um no outro o próprio lento”.
O autor, Cantalamessa, transporta o amor divino da Trindade – Pai, Filho e Espírito – para a humanidade, em sinal de aliança hereditária sublime e eterna, pois está fundada na fonte do Amor- Deus: Criador, Salvador e Santificador. Viemos do Amor, por Ele fomos criados, constituídos Seus filhos e herdeiros, por isso, se o homem e a mulher são juntos a imagem e semelhança de Deus é cabível a comparação dos amores que unem o Pai e o Filho, cuja intensidade expande-se no Espírito Santo e o homem e a mulher que se doam por amor, podem e são sustentados pela força e poder do fruto do Amor divino: o Espírito Santo, o mesmo Espírito que recebemos nos sacramentos do Batismo e Crisma e que, portanto, habita em nós. É o mesmo Espírito que nos impulsiona a ir em busca do Pai e do Filho, nos move a orar, nos ilumina em nossas decisões, nos ajuda a perdoar e muito mais.
Sem deixar de lado que o amar e o sofrer, o prazer e a dor caminham juntos, se alternam e às vezes, se mesclam, vale insistir no amor verdadeiro, compartilhado, capaz de superar obstáculos e divergências, disposto a recomeçar e partir para uma nova vida em comum.
Aos casais cristãos gostaria de ressaltar, não somente a importância da renovação diária do casamento, mas a viabilidade de ir além- é possível transcender por meio da doação recíproca de si mesmo.
Encerro esse capítulo com um trecho do hino que se canta na Igreja anglicana, por ocasião dos casamentos: “A voz ouvida no Éden, no primeiro dia nupcial, e a benção de Deus ainda valem. Une, Tu, Paráclito, os esposos que chamaste como ao seu Esposo Cristo, a Igreja conjugaste”.