01Lute por seus objetivos, trace suas metas e siga em frente!
Silvia Bruno Securato
Em uma pequena explanação sobre o porquê da coleção Nós, Mulheres, entre as escritoras e convidados, durante o lançamento do livro Noi, Donne, Sfide e Conquiste dei Nuovi Tempi, publicado na Itália, conversamos a respeito das dificuldades que encontramos por pertencermos à “geração da virada”, geração pós-queima dos soutiens.
Então, fiz a comparação entre as três gerações da minha família: minha mãe, eu e minha filha.
Minha mãe já nasceu feminista e não entendo como, pois nas- ceu e viveu na fazenda. Mas ela conta que, entre a meninada, só era permitido falar no feminino: todas as palavras tinham que ser transformadas e terminadas com – a. Era a líder de uma turma, inventava peças teatrais, ensaiava a turma e as encenava. Tudo de acordo, com roupas apropriadas, palco e todos tinham que prestigiá-las. Na idade escolar, foi morar em São Paulo, na casa de uns tios. Infelizmente, ficou órfã de mãe aos 17 anos e, pouco depois, mudou-se para Itapetininga, a fim de fazer o Curso Normal. De volta para São Paulo, foi morar em uma pensão para moças.
Bem ao contrário de mim, que morava em um apartamento, tinha um bauzinho com alguns poucos brinquedos. Nunca soube o que era comer melancia sentada em outra, cantar e sapatear, brincar com a criançada e se divertir no balanço de uma árvore.
Assim nos remetemos à nossa infância: que diferença! Até mes- mo depois de casadas, separações jamais! Seria uma vergonha na família.
Fomos educadas, como muitas mulheres, para obedecer e pon- to. Sem diálogo, sem direitos, sem opinião. Impunham-nos regras do tipo “goela abaixo”. Lembro que as pessoas comentavam com minha mãe: nossa, ela é tão quietinha! O que eu sentia mesmo era um tremendo tédio! Eu sonhava com festas, com música, muitas pessoas alegres, brincadeiras com crianças. Para completar, eu era a primeira neta e só tinha primos. Eu não falava, não abria a boca, mas observava muito e era cheia de opiniões secretas.
Já minha filha foi educada de maneira totalmente diferente – aliás ela e os meninos receberam a mesma educação: com igualdade, respeitando as diferenças de gênero.
Muitas vezes, desejei ter nascido bem antes ou bem depois dessas seis décadas. Observo minhas netas e vejo a alegria estampada em seus rostinhos, a maneira como são educadas, o quanto são participativas na família, o quanto são estimuladas a tomar decisões e avaliar situações diversas, e fico impressionada com a quantidade de conhecimento que elas já acumularam na primeira infância.
Como citei, minha mãe sempre se considerou feminista, defendia o direito das mulheres, embora nunca tenha, efetivamente, feito nada a favor do feminismo. Eu, quando criança, na minha condição de pensante – ao menos nisso ninguém se metia – achava tudo uma tremenda bobagem e cresci feminina, simplesmente.
O mais interessante, no entanto, é que aquela menina feminina, ao tornar-se adulta, fez muito pelo feminismo moderno, chegando a atravessar o oceano para levar reflexões das mulheres desses no- vos tempos.
No caso do surgimento do feminismo, é evidente que, para quebrar costumes e arrebentar uma cultura milenar, absolutamente machista, foi necessário provocar uma explosão! Foram cacos e faíscas para todo lado, até a poeira dos estilhaços baixarem, para construir um novo modelo de sociedade, em busca de direitos iguais entre ho- mens e mulheres. Estamos concebendo o equilíbrio, criando novos conceitos, estipulando novas regras, às custas de muita sobrecarga acarretada pela multiplicidade de funções. Porém vale a pena.
Minha mãe era avançada, queria que eu me formasse, me firmasse profissionalmente e só depois pensasse em casamento. Mas deveria fazer o Curso Normal, pois já teria uma profissão. Eu pensava: detesto dar aulas, não é minha praia. Porém, como pensar tão grande e tomar tais decisões ousadas, traçar planos, assim de repente, de uma hora pra outra? Nunca me foi permitido pensar, querer, escolher, discutir, analisar, tomar decisões. Muito interessante, não? Entretanto, no fundo, eu sabia o que queria.
Bem, chegou o momento de escolher minha profissão, iria prestar o vestibular. Queria cursar Propaganda e Marketing. Meu pai levou um susto e falou: “Essa é a única profissão em que uma moça de família não pode ingressar e ponto!” O sonho afundou, foi por água abaixo.
Então, fiz Geografia, eu gostava da matéria, mas sinceramente passei por ela em brancas nuvens, aproveitei mesmo foi a escola da vida que uma Universidade nos traz e, naturalmente, me casei bem nova, um ano antes de me formar. Não que realmente quisesse me casar tão cedo, mas havia um desejo de buscar minha liberdade.
Que pena! Minha mãe, tão feminista, não preparou a filha para esse mundo novo que despontava. Casei-me com um machista praticante e militante. Quer dizer: saí de uma e entrei em outra igual. Não podia suportar isso e, aos poucos, fui roendo as grades da gaiola que ainda carregava comigo, até que comecei a voar. De início, foi como um passarinho… caindo, me machucando muito, mas insisti, acreditei em mim e me libertei. Realmente, eu virei o jogo. Tracei um projeto de vida a longo prazo e segui minhas metas, sempre visando meu objetivo.
Hoje, enquanto trabalho nos textos e publicações dos livros que organizo, meu marido muitas e muitas vezes, prepara o jantar e… me serve. Um doce! Quem te viu e quem te vê, hein? Essa frase serve para nós dois.
Lute por seus objetivos, trace suas metas e siga em frente!
Lute por sua causa como quem carrega um buquê, esse é o meu lema – com doçura e feminilidade e, acima de tudo, com firmeza!
Publicado originalmente em:
REBRA (Org.), Assim escrevem as brasileiras, Scortecci, São Paulo S-P, 2014.