O que gostaria mesmo de ressaltar é o legado deixado por mamãe: realizar algo concreto para as Mulheres.
Silvia Bruno Securato
De minha mãe herdei e, sem modéstia nenhuma posso aqui dizer, afinal o tema me permite ser sincera – a elegância, o charme e o bom gosto. Elogio esse que estendo às minhas avós. Serei justa!
Sempre vi minha mãe se embelezando, com todo o capricho, mesmo que fosse para ficar em casa. Não dispensava o batom, o pó de arroz, o perfume, o creme nas mãos, o “modelito” do dia, escolhido com bom gosto, e os cabelos sempre arrumados.
A determinação em alcançar objetivos também deve ser mencionada.
Já o prazer pela cozinha e o gosto de festejar, isso herdei de minha avó Olympia, mãe de minha mãe que, infelizmente, não conheci pessoalmente, o que, no entanto, nunca nos impediu de ter uma intimidade linda entre avó e neta. Desde pequena, sempre a senti muito perto de mim, me guiando e me protegendo. Quando precisava dela, era só pedir que me ajudasse.
O fato mais marcante aconteceu na ocasião do aniversário de um ano da minha filha, quando eu cismei de fazer umas camélias de papel crepom, porém não saíam do papel. Então, fechei os olhos e pedi à festeira que me inspirasse nessa tarefa. Não sei como, mas acabei dando um nó com as mãos e a primeira camélia ficou linda! Não me peçam para fazer outra vez! Vovó Olympia era festeira, passou para mim o dom, o gosto de produzir festas diferenciadas e quanto mais convidados… melhor!
Mulheres de minha família, cada qual com seus talentos e beleza! O que gostaria mesmo de ressaltar é o legado deixado por mamãe: realizar algo concreto para as Mulheres.
Ela é feminista nata! Defendia e defende em altos brados os di- reitos das mulheres, sem ser militante em praças públicas. Foi feminista, sim, e com F maiúsculo, quando criança, especialmente na primeira infância. Eu não consigo entender como, se ela vivia em uma fazenda, em Conquista, Triângulo Mineiro, Minas Gerais. Ela já nasceu com a semente feminista. Mandava e desmandava em todas as crianças “do planeta” em que vivia: parentes e filhos de colonos. Os meninos? Não importava o tamanho, todos tinham que obedecer às suas ordens. Se não obedecessem… apanhavam!
Criativa e agitada, colocava todos para trabalhar em suas invenções, fossem nas brincadeiras de teatro, ou nas outras que criava. Mobilizava a todos, impunha a voz e determinava.
Quando ela conta suas façanhas, eu penso:
“Mas como podia agir assim, se não havia troca de informações nenhuma, os tempos e costumes eram totalmente outros? Além disso, ela era muito pequena para tamanha altivez!”
Eu sempre fui feminina e tranquila… aliás, bem tranquila. Ao contrário dela, não era, nem sou mandona. Sou política. Considero-me criativa e determinada, sei o que quero e batalho para chegar ao meu objetivo. Sou persistente. O legado deixado por ela fez de mim uma “feminina militante”, a começar pela educação dada aos meus filhos, mais especialmente à minha filha, que recebeu orientações e valores bem diferentes dos que eu recebi.
Foi durante o início da minha adolescência que surgiu o Movi- mento Feminista nos EUA. Porém, porém… os efeitos dessa revolução não bateram à minha porta. Tive que conquistá-los e, real- mente, não foi fácil.
Não nasci com a tal semente. Eu recebi o legado.
O destino me levou – e nada é por acaso -, a fundar a Oficina do Livro Editora, que tem como foco a Mulher. Tanto que, por mais de dez anos, teve como carro-chefe a obra Nós, Mulheres – Desafios e Conquistas dos Novos Tempos. Cada volume é composto por várias au- toras, cada uma assinando um capítulo. O objetivo foi trocar expe- riências, unir forças e ajustar o novo “modelo” feminino. Cabe aqui um parêntese: quem criou a frase “Desafios e Conquistas dos Novos Tempos” foi ela, minha mãe. Sua fala ficou gravada na capa de 13 obras Nós, Mulheres, com direito a publicações nas línguas francesa, inglesa e italiana. Sim… espalhamos as sementes, agora em flor!
No meu mundo feminino, os homens são bem-vindos, desde que tenham alma feminina, naturalmente, o que torna lindo qualquer relacionamento: na família, no trabalho e na sociedade. Se tiverem alma machista, eles não nos acompanham, são ignorados, simples- mente. Não são merecedores de nenhuma atenção. Sigo em frente.
E conforme registrei no primeiro volume do livro Nós, Mulheres – ainda sem saber que esse seria um legado – quero continuar assim: abraçando uma causa como quem abraça um buquê. Sim, abraçar essa causa, a causa em favor do mundo feminino.
Obrigada, minha mãe, pelo nobre legado deixado. Continuarei colhendo as flores. Delas nascerão novas sementes e, assim, iremos perfumando o mundo feminino, com a suave fragrância de “Ser Mulher”, em toda a sua plenitude e verdade!
SECURATO, Silvia Bruno (Org.), O quanto dela trago em mim, Oficina do Livro Editora, São Paulo – SP, 2017