Oficina do Livro Editora

Histórias Que Marcam Época

Cada momento tem seus encantos, sua particularidade. É pessoal e intransferível.

Silvia Bruno Securato

Quando Regina chegou àquela praça, lembrou-se do dia do seu casamento e, num flash, lhe veio à memória um dos momentos mais marcantes, registrado no álbum de fotografias. Era uma de suas fotos preferidas: aquela pose em que ela estava recostada em uma das árvores da praça, sorrindo para seu noivo.
Ao entrar na igreja, reviveu cada passo, cada instante. Seus pensamentos resgataram as músicas que marcaram cada momento da cerimônia. Pode rever, mentalmente, as flores que ornamentavam o altar e a passarela por onde caminhou ao lado de seu pai. Recordou os sorrisos dos convidados, naquele dia em que foi o foco das atenções.
Analisou cada detalhe artístico que decorava as paredes, a cú- pula, o altar. Reparou que a pintura das imponentes colunas era recente. Sorriu, enquanto admirava o quanto a igreja era linda, moderna e majestosa. Agora, seria o local sagrado da cerimônia de casamento de seu primeiro filho.
Não havia passado tanto tempo assim… o local era idêntico e, no entanto, pensava ela, como os valores e costumes haviam mudado! De uma geração para outra, a sociedade mudara. O conceito de construção de uma família, também.
Quando Regina se casou, no início dos anos 70, aos vinte anos, ainda faltando um ano para graduar-se em História, sua prioridade, como a da maioria das mulheres, eram a família, os filhos, os cuidados com o lar. A profissão seria exercida em algum momen- to, ocupando um lugar secundário nesse cenário, uma vez que o marido, engenheiro de formação e professor de profissão, seria o provedor do casal, responsável pelo sustento da casa. Portanto, ela exerceria uma profissão – se necessário fosse – como hobby.
Suas amigas, algumas já casadas, também bem jovens e grávidas pouco meses após o casamento, deixavam de lado seus estudos, voltando a atenção para os futuros bebês, que preencheriam seus anseios e ocupariam seu tempo integral.
Regina formou-se depois de casada, mas não exerceu a profissão. Buscou algumas atividades no decorrer desses anos, mas sem- pre nos horários em que os três filhos estivessem na escola, com o intuito de não deixar de dar a eles toda a dedicação e acompanha- mento possíveis. Somente agora, anos depois, com seus filhos adultos, é que decidiu cursar uma pós-graduação e dedicar-se a uma profissão, pois sua principal função havia sido cumprida.
Sua realização profissional, nesse momento, estava apenas iniciando. Estava feliz, radiante. Essa jovem senhora, bem cuidada, em um vestido elegante, que marcava seu corpo delgado, cami- nhou lentamente até a sacristia, onde seu filho e padrinhos iriam se encontrar. Momentos de deliciosa expectativa, enquanto aguarda- va a chegada da noiva.
A noiva, formada em administração, estava com sua vaga reservada na Universidade de Columbia, New York, para cursar o MBA. Garota de talento! Filhos? Somente depois de ter uma colocação garantida, em uma organização de peso. Well, os netinhos iriam demorar!

A noiva chegou! – anunciou alguém. Aqueles seriam momentos memoráveis, inesquecíveis. O noivo, os pais e os padrinhos dirigiram-se para a entrada da igreja. Regina aproximou-se de seu filho, recebeu um beijo carinhoso, sorriram um para o outro e deram-se as mãos.
As portas se abriram ao som de Bach e, naquele instante, cada passo revivido – e, ao mesmo tempo, totalmente novo – seria dado, marcando mais um episódio significativo na família. Minutos valiosos e emocionantes seriam registrados, marcando mais um epi- sódio da história de um novo tempo.
Após a cerimônia, os noivos queriam repetir a cena que havia sido importante para Regina; porém, ao tentarem posar para as fotos na praça, notaram que cada momento tem seus encantos e marcas pessoais. Aquela árvore, que serviu de cenário para as fotos preferidas de Regina e seu marido, pertenceu somente a eles. Agora, trinta anos depois, estava bem crescida, seus troncos tão altos, que seria impossível repetira a cena do álbum de fotos de Regina.
Cada momento tem seus encantos, sua particularidade. É pessoal e intransferível.
Leva-nos a refletir que cada episódio da nossa vida tem seu pano de fundo particular: entramos em cena e deixamos nossas marcas, construímos nossa história, deixamos nossos registros para as gera- ções futuras, que podem servir como exemplos ou modelos. Contudo, cada qual deve acrescentar algo pessoal e, assim, remodelar, construir, fazendo de novo – e de maneira inédita – sua história, no seu próprio tempo.

Primavera de 2005

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