Oficina do Livro Editora

Mistério no Navio

MISTÉRIO NO NAVIO

Percebemos que, por algum motivo, o comandante deu ordem para interromper a saída do navio.

Alguns passageiros do navio, que faria a travessia de São Paulo até Genova saíram, pela manhã, para passear por Recife e Olinda, enquanto outros aproveitaram o dia ensolarado nas praias da cidade.

Entre Recife e Genova, o navio faria algumas paradas turísticas em Santa Cruz de Tenerife, Lanzarote, Marceille e Barcelona, as- sim como aconteceu na costa brasileira. O navio que partiu de São Paulo e já havia passado pelo Rio de Janeiro, Ilhéus e Salvador.

A partida para Tenerife estava marcada para às 16h.

Nessa hora, com todos a bordo, o navio parecia que iria anun- ciar a saída com os tradicionais sonoros apitos de partida, mas, ao contrário, soou somente uma vez. Geralmente, quando ele zarpa, dá ao menos três apitos sequenciais, nunca um só. Percebe- mos que, por algum motivo, o comandante deu ordem para interromper a saída do navio. Correria, agitação no convés? Não, tudo estava aparentemente normal.

Abriram-se as portas. Na ponte 1 as escadas foram recolocadas e a polícia federal, que já havia se retirado, tornou a embarcar,entraram em ação e começando a investigação para apurar os fatos. Passavam-se as horas e nada, o navio não partia e, como é natural, os passageiros começaram a ficar incomodados e, mais que isso, curiosos para saber o que estava acontecendo. Começaram a indagar uns aos outros qual seria o motivo de tanta demora…

A tripulação, com aquele sorriso amarelo, não nos convencia de que tudo estava absolutamente normal. Anunciaram por três vezes, no alto-falante geral, que estavam apenas aguardando ordens do porto para zarpar, nada além disso. Porém, que demora nessa liberação! As horas passavam e o navio mantinha-se imóvel.

Ao anoitecer, os rumores já estavam bastante calorosos e um pas- sageiro comentou:

— Eu vi uma ambulância no porto… Deve ter alguém passando mal.

E outro senhor acrescentou:

— E eu vi, da minha cabine, duas mulheres fora do navio… E estavam com suas malas.

Uma mulher completa a suspeita:
— Seriam parentes do doente?
Outra comentou:
— O que eu soube é que um casal chamou a polícia, porque os passageiros do navio são homofóbicos. Elas estavam sofrendo bullyng, sendo descriminadas e maltratadas. Revoltaram-se com os destratos e decidiram abrir queixa na polícia.

— Dizem que elas eram usuárias de drogas! — afirmou um rapaz que estava entre eles.

Uma jovem completou:
— Eu presenciei uma mulher gritando com o garçom. Pensativa, outra pessoa diz:

— Que motivo seria forte o suficiente para impedir o navio de partir? E as horas extras no porto? Cada hora custa muito dinheiro. Será que uma discussão seria o motivo?

E a roda de indagações continuava. No bar da ponte 5, cada um que chegava tinha um comentário do tipo “ouvi dizer”…

— Eu soube que encontraram uma mala com dinheiro. Creio que essa versão é mais adequada, mas é bom a gente nem espalhar! — comentou uma senhora saindo de fininho.

E outra pessoa concluiu: — Este é um bom motivo para inter- romper a partida!

Uma pessoa da tripulação passou por lá e logo foi abordada. Todos queriam saber o real motivo do atraso. O tripulante, elegantemente fardado, fez “cara de paisagem” e afirmou, com forte sotaque italiano, que a razão do atraso era somente um problema de tráfego.

— Tráfego ou tráfico? — indagou alguém.

— Não, senhor, somente problema de tráfego nas rodovias que trazem comida e bebidas para o navio… pegaram trânsito! Além disso, não há motivos para desespero, nem preocupações com a segurança, temos a Polícia Federal dentro do navio… estão em oito. A segurança está garantida. — Ao comentar sobre a segurança, fez o Sinal da Cruz, abençoando-se.

Uma jovem exclamou:

— Hum… que história mal contada! Trânsito nas estradas… de quantas estradas vêm a comida e a bebida para Recife?

E continuou rindo:

— Tomara que não venham de São Paulo! Se for, ficaremos aqui três dias!

— Com essa vamos perder o passeio em Tenerife! Eu comprei excursão… Quero meu dinheiro de volta – afirmou categoricamente, batendo as mãos no balcão. — é claro que o navio vai passar reto por lá!

E outra comenta:

— Quem fez a confusão foram elas, as duas mulheres. A cabine delas era em frente à minha e eu vi a Polícia Federal entrando lá. Parece que não eram só usuárias de drogas.

Um garçon que passava, ouvindo os comentários afirmou:
— Não! Era tráfego de drogas!
E nessa roda de conversa cada um foi concluindo:
— Então, deve ser isso: as traficantes venderam as drogas e receberam uma mala de dinheiro!
A senhora acrescenta:
— Sim! Parece que foi por isso que, aquele casal com as malas

lacradas estava entrando num carro da Polícia Federal e perto deles as duas mulheres, também com suas bagagens, seguindo em outro carro. Acho que matamos a charada!

Ao mesmo tempo, aproxima-se uma garçonete, equilibrando com maestria sua bandeja repleta de copos, e completa baixinho:

— Se eram ou não usuárias de drogas, eu não sei, mas disseram que elas perturbaram muito desde que entraram no navio. Roubaram talheres e guardanapos, jogaram água no banheiro para dizer que estava com vazamento, puseram uma porção de defeitos na cabine, destrataram funcionários e acusaram alguns passageiros… tanto que para os policiais ouvirem todas as pessoas acusadas por elas, é que está havendo esse atraso! E já são quatro horas de interrogatório!

Uma jovem completa:

—Tenho ouvido mais comentários sobre essas duas mulheres, em toda parte alguém fala delas.

Um homem diz:

— Acho até que sei quem são elas. Eu as vi duas vezes e uma delas era bastante agressiva, bem estúpida e mandona. Reclamava muito da parceira, que era muito bonitinha e calminha. Mas, se é o que dizem… aquela encrenqueira poderia mesmo ter causado a confusão.

— Pois, então… e elas também estavam usando drogas! Completou uma loira com os olhos arregalados.

Um outro senhor, com feições de buona gente e muito brincalhão, que estava no balcão do bar ouvindo e divertindo-se com os comentários exaustivos dos passageiros, aproximando-se sorridente e afirmou com autoridade que o verdadeiro motivo da demora eram os próprios passageiros.

Todos entreolharam-se surpreendidos e indagaram:
— Como assim, os próprios passageiros?
— Ora, vamos refletir, explicou ele, calmamente: entre todos os

passageiros, 70% são “pessoas de idade”, 25% são velhinhos e 5% jovens – eu estou entre os “de idade” – foi logo afirmando… Portanto, havendo uma inspeção nas cabines, vão encontrar centenas de remédios com tarja preta e, pensem bem: não deixam de ser drogas! É tanta, mas tanta droga, que a Polícia Federal ficou na dúvida se prendia todos ou se liberaria geral…

Soou uma forte gargalhada e, ao som de Roma nun fa la stupida stasera, finalmente o navio partiu e as antigas suspeitas deixaram de ser o ponto alto da noite, dando passagem para um grande baile a bordo!

Securato, Silvia Bruno (Org.), Memórias de Viagem, Oficina do Livro Editora, São Paulo – SP, 2018.

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